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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

The Walrus

Abandonado pelo pai, rejeitado pela mãe, criado pela tia. Um marido violento e infiel para Cynthia, um pai ausente e severo para Julian. Dependente de drogas fortes e dono de uma personalidade intratável, cujo sarcasmo e obsessão, sempre bem demonstradas em coletivas de imprensa, nem mesmo os amigos de tantos anos puderam suportar; pondo fim -ele, e só ele-  a um dos maiores mitos da história do rock. Esse é o John Lennon que poucos conhecem.



Hoje, 29 anos depois de sua morte, ele é conhecido por ter sido um dos músicos mais brilhantes do século XX, por ter sido líder de uma das bandas mais importantes da história; por dedicar sua carreira e vida pós-banda na busca da paz e do amor entre a humanidade. Amante eterno de Yoko Ono. Reconhecido pelas letras tocantes de suas músicas, com tal emoção e sinceridade que são influentes até hoje, sendo seguido e idolatrado por milhares neste mundo. Esse é o John Lennon que o mundo conhece.

E creio que seja essa a imagem que o mundo deva guardar dele. Porque ela é verdadeira, sim. Tão verdadeira quando a introdução deste post.

Vamos entender melhor isso?



Vida:

• John Winston Lennon nasceu em 9/10/40, em Liverpool, Inglaterra. A Segunda Grande Guerra estava começando e o país se sentia ameaçado pelos nazistas. Seu pai era marinheiro - o viu poucas vezes. Sua mãe, Julia, não se achava em condições de criá-lo sozinho e deu-o para sua irmã (a famosa "tia Mimi") para que ela o criasse. Sua tia o criava com um filho e era bastante dedicada, apesar de severa; embora o tio, por sua vez, o mimasse bastante. Julia tentou manter um certo contato com o filho, até o ensinou alguns acordes no banjo, mas morreu em um acidente trágico quando John tinha 16 anos.

• A dor da perda da mãe serviu de incentivo para que ele se interessasse por arte. Desde pequeno já escrevia e desenhava, mas foi na adolescência que ele resolveu seguir por este caminho, ingressando numa escola de artes. Foi lá que conheceu sua futura esposa, Cynthia Powell. Infelizmente, não teve bons resultados nos exames, e acabou largando a escola de arte para viver de música.

John & Cynthia

• A perda da mãe foi a conexão que John teve com o amigo que conheceu numa apresentação de sua primeira banda (a The Quarrymen), Paul McCartney, que também havia perdido a mãe há pouco tempo. O que nasceu dessa nova amizade é outra história ;)

• Em 1962, John e Cynthia se casaram, quando ela descobriu que estava grávida. O casamento dos dois, na época, foi abafado pelo empresário da banda, Brian Epstein, pois ele acreditava que seria um choque para as fãs saber que um dos Beatles era casado. O filho, John Charles Julian Lennon, nasceu no ano seguinte, mas John demorou uns dias para conhecê-lo, pois estava em turnê e logo depois saiu de férias com o empresário - não foi o único momento em que deixou seu filho em segundo plano. Julian (ele preferia ser chamado assim pois não gostava de ter o nome do pai) sempre foi mais próximo de Paul McCartney, com quem construiu uma amizade que dura até hoje (vocês sabiam que Paul escreveu Hey Jude para o Julian? Agora sabem :) ).

Paul & Julian



• Com o casamento cada vem mais em crise - John pegando pesado com as drogas e todos os casos de adultério e violência contra ela, Cynthia sugeriu que eles se divorciassem. Quando descobriu do caso de John com a artista plástica Yoko Ono, Cynthia até mesmo sugeriu que ela fosse a mulher ideal para ele e, quando foi confirmado que Ono estava esperando um filho de John Lennon (que não chegou a nascer), o divórcio finalmente aconteceu - com John querendo processar Cynthia, acusando ela de adultério (lógico que ele perdeu o caso e teve que pagar uma pensão milionária para a ex-mulher e filho).



John & Yoko

• Foi com o início desse relacionamento que acabava um outro muito mais intenso do que o casamento de John com Cynthia: o casamento de John com os Beatles. Hoje Paul admite que é ridículo pensar que, 40 anos depois, as pessoas digam que "a maior banda do mundo terminou porque Yoko sentou num amplificador". A verdade é que o clima já estava tenso entre John e os demais por causa de seu temperamento: tudo tinha que ser exatamente como ele queria e os outros não estavam abertos a opinar. Já nesse clima de brigas constantes, John ainda começa a levar Yoko para as gravações e ela sim podia opinar sobre o que eles faziam. Mas isso também é outra história. O fato é que o segundo casamento de John, que agora era John Ono Lennon, destruiu outros dois.

• Mas alguns hábitos nunca mudam e, mesmo depois do fim dos Beatles, e com uma carreira musical com Yoko razoavelmente promissória, John é novamente infiel - com a pessoa que a própria Yoko deixou para "vigiá-lo" enquanto viajava a negócios: a fotógrafa May Pang. O relacionamento durou alguns meses e virou livro (com fotos da própria Pang). Yoko voltou e logo após os dois se reconciliaram. Meses depois, nasce Sean Taro Ono Lennon.

John com Sean e Yoko


• Acredito que tenha sido aqui que a vida de John mudou completamente. John aprendeu a ser marido e a ser pai. Deixou tudo pra trás - música, banda nova, carreira solo, estúdios e apresentações para viver recluso nos EUA e ser uma pessoa presente para sua esposa e para seu filho; como uma forma de compensar a pessoa horrível que tinha sido para Cynthia e Julian.

• Apesar de ter largado a música, Lennon e Ono estavam sempre bastantes envolvidos com a política. Fizeram alguns protestos bem sucedidos contra a Guerra do Vietnã e pregavam a paz mundial. Os problemas começaram a partir do momentos que estes protestos atingiram proporções maiores do que as imaginadas, ameaçando a reeleição do então presidente Nixon. Os dois receberam ordens de deixar o país, o que nunca chegou a acontecer, já que Nixon não foi reeleito (sendo sucedido por Carter).



Morte:

• John Lennon foi assassinado em frente ao prédio onde morava com sua esposa Yoko e seu filho Sean, às 10:50pm do dia 8/12/1980, por Mark Chapman. No mesmo dia, mais cedo, John tinha autografado a capa de um de seus álbuns para Chapman (a foto inclusive pode ser vista aqui).

• John e Yoko na ocasião estavam voltando de uma sessão de fotos e entrevista e iam direto a um restaurante para jantar; mas John decidiu parar em casa para colocar seu filho Sean (então com 5 anos, e que estava em casa com a babá) para dormir. Mark Chapman estava aguardando que John aparecesse e, assim que o viu, disparou quatro tiros, acertando dois (um deles no pescoço). Yoko ainda conseguiu arrastar John até a portaria do prédio e ligar para pedir ajuda, mas quando a ambulância chegou, John já havia morrido.

(coincidentemente, na mesma tarde, John declarou a uma entrevista que "não conseguia se imaginar no futuro", e que ia "deixar que o destino cuidasse disso". Anos antes, ele ainda havia dito que "não pretendia morrer aos 40". Adivinhem quantos anos ele tinha quando morreu?)

• Chapman foi condenado a 20 anos de prisão, mas permanece preso até hoje. Ele já havia cometido outro assassinato, anos antes, e foi declarado esquizofrênico (o que chamamos carinhosamente de "bipolar").

• Não houve funeral. John foi cremado e suas cinzas estão guardadas com Yoko Ono Lennon.

• Devido ao fim turbulento dos Beatles, seus ex-colegas e antigos amigos não se pronunciaram sobre sua morte, na ocasião. George e Ringo usaram porta-vozes e Paul disse, indiferentemente, "é, foi uma coisa chata". Anos depois, eles admitiram que, apesar de não terem mais contato com John na época, ficaram extremamente chocados e se sentiram "profundamente perdidos sem John".

• Cynthia, sua primeira esposa, disse que embora tenha tido momentos tensos com seu marido e que cada um tenha seguido com sua própria vida, sempre sentiu um apreço imenso por John e que sempre sentirá sua falta. Julian ficou inconformado com a morte do pai, apesar de toda a raiva que sentia dele, porque justamente nestes últimos anos os dois estavam se reaproximando.





Apesar de ter ficado um post obviamente enorme, resumi o máximo que pude da intensa vida de John Lennon. É impossível falar dele sem falar um pouco da história dos Beatles, do seu relacionamento com o filho mais velho, das declarações da sua banda ser mais popular que Jesus, dos seus anos de meditação e da sua luta pela paz, depois de tantos anos difíceis para ele e para todos que o cercavam. Mas esses são fatos que interessam apenas a quem se importa com quaisquer dessas coisas, por isso deixei para falar sobre isso em outra oportunidade, quem sabe. Aqui eu quis apenas esclarecer ou citar alguns pontos históricos mais relevantes. Porque, querendo ou não, todos nós conhecemos John Lennon. Eu, como alguém que conhece o suficiente sobre a sua vida, tenho obrigação de mostrar aos que passarem quem foi o "homem por trás do mito".

Como veem, não existem super-heróis, e John Lennon certamente não foi um deles. Mas ele fez a sua parte como ser humano e, mesmo que tenha começado tudo errado, ele acertou depois. E é só disso que a gente precisa lembrar.


Curiosidades pra descontrair \o/

• Em 1965, os 4 Beatles receberam MBEs da Rainha da Inglaterra - ou seja, se tornaram Members of the British Empire. É um título dado geralmente a pessoas que contribuíram de forma positiva à população britânica, e a partir de então são chamados por Sir antes do nome (razão pela qual chamamos até hoje Paul de Sir Paul McCartney). Acontece que, quando eles receberam a nomeação, muitos veteranos discordaram veementemente, pois eram "apenas quatro rapazes de uma banda que nem sequer lutaram pelo país". John deu a seguinte declaração:

"Nós ficamos orgulhosos e nos sentimos honrados. As pessoas que devolveram seus MBEs por nossa causa são uns idiotas. A maioria devolveu seu MBE militar, que foi por matar pessoas... e o nosso é civil, por fazer as pessoas felizes."

Ironicamente, em 1969, Lennon devolveu seu MBE, com a seguinte carta à Rainha:

"Vossa Majestade,

Estou devolvendo a minha condecoração de Membro do Império Britânico como forma de protesto contra o envolvimento da Grã Bretanha na Guerra de Biafra, contra o nosso apoio aos EUA na Guerra do Vietnã e ainda contra o fato de Cold Turkey estar caindo nas paradas.

Com amor, 
John Lennon."

• Apesar de ter dado a ele sua primeira guitarra, a tia de John, Mimi, não o encorajava a seguir uma carreira musical, dizendo: "Tudo bem que você toque guitarra como um hobby, mas você nunca vai ganhar dinheiro com isso". Anos mais tarde, John deu de presente a ela uma placa de prata com esta inscrição gravada.

• Num show importante dos Beatles no qual estavam presentes membros da Família Real:

"Quero que todos participem desta música. Os que estão lá atrás podem bater palmas. Os resto que está aqui na frente pode só chacoalhar as jóias."




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Fontes consultadas incluem a página do artista na Wikipedia, o livro Beatles Por Eles Mesmos, da Editora Martin Claret, a revista Showtime #57 e a edição especial A Balada de Winston Lennon. Texto escrito e desenvolvido por Emmanuella Conte © em 16/10/09.

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