Páginas

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Os 43 anos do Sargento Pimenta - A capa.

Promessa é dívida, não é? :)


Terminada a gravação do álbum, agora todos precisavam pensar em como seria a capa. Já estava decidido que deveria ser algo inusitado e ousado, como o álbum, também divertido e alegre, mas que se impusesse. Como aquele era um projeto incomum em todos os sentidos e inovava em muitos aspectos, eles também quiseram ser diferentes com a embalagem do disco: não apenas o papel-cartão habitual, mas talvez um algo a mais, brindes extras, qualquer coisa que fizesse as pessoas se interessarem pelo que havia dentro.

(Vejam bem, a essas alturas os Beatles já não vendiam tão bem quanto costumavam, devido à polêmica da declaração de John Lennon que citei no post anterior. Praticamente todo o material de merchandising que vendiam, incluídos os álbuns, eram comprados para ser queimados em praça pública. Então a ideia era fazer as pessoas comprarem o álbum para ouví-lo, por isso o interesse em chamar a atenção.)


Para abrirem a mente para novas ideias a respeito da capa, contrataram uma agência de publicidade de Londres. Como era uma agência nova cheia de gente jovem e empolgada, a ideia inusitada veio logo: já que o álbum é conceitual, ou seja, conta uma história, por que não imprimir uma espécie de livro com as letras das músicas, para que as pessoas possam ler a história enquanto a ouvem? Ideia genial! Assim o Sgt. Pepper's se torna o pioneiro em mais um aspecto que é banal hoje em dia: foi o primeiro álbum da história a incluir um encarte com as letras das músicas.

O esboço da capa ficou por conta de Paul McCartney, que sempre tomava a dianteira nos projetos da banda. Geralmente os outros não gostavam muito dessa autoimposição, mas dessa vez não fizeram objeções, afinal a ideia dele parecia realmente boa: ao invés da costumeira foto dos quatro sozinhos, eles posariam com seus uniformes de banda de marcha em frente a quadros de seus heróis; seria uma foto bem cheia de detalhes e coisas para o público ficar procurando. Chamaram um grupo de artistas plásticos holandeses para ver o que eles poderiam fazer pela arte da parte interna do encarte, e eles inventaram um caos baseado numa típica viagem de ácido: cores espalhafatosas misturadas a paisagens irreais e animais fantásticos. Apesar de bizarro, a banda adorou, mas resolveram consultar seu amigo Robert Fraser, que era um negociante de arte. Ele desaprovou a ideia, disse que era "ruim" e que em pouco tempo seria lembrado como "apenas mais uma capa psicodélica". A ideia teria que ser impactante a fim de marcar pelo significado, não pelo visual.

Por influência dele, chamaram o fotógrafo Michael Cooper e o artista plástico pop Peter Blake. Blake pediu para que eles explicassem que imagem eles gostariam passar com a tal "banda fictícia". Lennon explicou que eles seriam uma espécie de mistura entre banda de marcha e banda militar, e que a foto da capa teria que dar a ideia de que eles acabaram de dar um concerto e que seria legal se tivesse muita gente em volta, representando o público. Inicialmente a foto seria tirada com os quatro em um coreto com seus uniformes e pessoas aleatórias em volta, mas então essa ideia se mesclou com o projeto inicial de Paul, a dos quadros com os heróis: Blake sugeriu que eles usassem, ao invés de pessoas de verdade, fotografias e recortes em tamanho natural, bonecos de cera e coisas do tipo, assim eles poderiam colocar na multidão quem eles quisessem.

Isso foi o suficiente pra ideia ser aprovada de imediato. Agora cabia a eles escolherem quem queriam incluir na multidão. Foi uma lista bem diversificada e incluía gente de todo tipo de meio: George Harrison optou por líderes espirituais indianos, entre eles o Maharishi Mahesh Yogi, que foi guru dos quatro um ano mais tarde. Paul escolheu gente do meio artístico, personalidades da TV, autores. John queria avacalhar a coisa, ainda estava irritado com a repercussão que sua entrevista havia gerado e estava disposto a provocar mais polêmica: sua lista incluía Hitler, o marquês de Sade, Nietzsche, entre outros. Ringo não quis contribuir, disse que "qualquer coisa que eles escolherem, tá bom". Além destes, também incluíram merecidamente Stuart Sutcliffe, que foi o baixista original da banda e morreu anos antes, de repente; e Bob Dylan.

As colagens levaram duas semanas pra ficarem prontas, agora era levar ao estúdio para montar o resto do cenário e fotografar. Os roadies da banda iam atrás do que faltava e os quatro beatles foram atrás das roupas. Escolheram tudo o que acharam de mais chamativo, em cores e tecidos, e com a experiência de John em uniformes militares (por causa do filme do qual havia participado, How I Won The War), criaram os seus. O relógio de flores, que fazia parte do projeto inicial, acabou virando a guitarra que conhecemos na capa atual. As flores não vieram em quantidade e nem em proporção suficientes, e quem acabou montando a guitarra foi o próprio entregador.

Além das fotos da capa e encarte, queriam incluir ainda um brinde. Pensaram em todo o tipo de bugiganga: distintivos de plástico, tatuagens auto-aderentes e pequenas parafernalhas, mas o custo de produção seria altíssimo e não haveria como incluir esse pacote dentro da embalagem do disco de maneira que pudesse ser facilmente manuseado pelo pessoal do estoque da EMI. Então acabaram incluindo no encarte uma folha de cartolina com o distintivo, crachá e bigode postiço para que fossem recortados e armados (nota minha: os encartes da versão do disco em CD também inclui essa folha!).

Mas, apesar da solução mais barata, a produção total dessa capa + encarte saiu uma fortuna para a EMI. Para os outros álbuns, a arte lhes custava entre 25 e 75 libras. Para o Sgt. Pepper's foram gastas nada menos do que 2.800 libras, o que deixou o diretor furioso. E, além disso, a EMI tinha outro aspecto a proteger, além do financeiro: sua reputação. Eles não podiam incluir Hitler na capa de um disco, não poderiam colocar Gandhi com artistas de cinema e simplesmente não podiam usar a imagem de todas aquelas pessoas sem autorização! 

Assim sendo, Paul recebeu em sua casa, dias depois, o projeto com as alterações necessárias, e nele só havia sobrado os quatro, o bumbo com o nome do álbum, as flores e um vasto céu azul. Mas Paul conseguiu contornar a situação e o diretor acabou aceitando a proposta original (sem Hitler e Gandhi, porém) de má vontade e com a autorização das demais pessoas. E mais: se alguma delas quisesse indenização pelo uso da imagem, os quatro processariam a gravadora!

Então vamos à parte divertida, observar a capa e descobrir alguns elementos:

(clique para abrir uma versão maior, para ver os detalhes - sugiro que em uma nova aba!)

► Logo à esquerda (de quem olha) da banda, há 4 bonecos de cera dos próprios Beatles, em sua aparência do início dos anos 60. As estátuas foram emprestadas do museu de cera Madame Tussauds;
► Pelo chão há diversos objetos pessoais deles; algumas imagens em miniatura, um troféu e uma TV, além de vários instrumentos de sopro (que seriam os instrumentos da "banda fictícia");
► Bem no canto direito da foto, abaixo de uma folha de palmeira, há uma boneca da Shirley Temple com uma camiseta dos Rolling Stones;
► Pra quem não conhece o rosto de Stu Sutcliffe, ele aparece na extrema esquerda da foto, em preto e branco; é o terceiro contando de cima pra baixo.

► Quer ver mais? Por este site você confere a capa de maneira interativa, é só passar o mouse por cima da imagem e ela lhe mostrará quem é.

Outras curiosidades:

► A capa ganhou o Grammy na categoria de Melhor Capa e Arte Gráfica em 1968;
► É ainda muito imitada, em tributos e paródias;
► Os seguidores da conspiração Paul is Dead deita e rola com a arte deste álbum. Para eles, tanto a capa quanto as fotos internas e até mesmo a disposição das letras da música são pistas de que Paul realmente estaria morto.


Ufa. Nunca falta assunto sobre esse álbum.

Nota: Minhas fontes de pesquisa estão por toda a internet e na biografia da banda escrita por Bob Spitz. Diferentes versões de certos aspectos existem, mas procurei me basear nas fontes mais confiáveis.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Sargento Pimenta e sua banda completam 43 anos!

No dia 1º de junho de 1967 era lançado o oitavo e mais ousado álbum da banda de rock mais influente do mundo, The Beatles: Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band.


129 dias de gravação, uma orquestra, vários artistas contratados e incorporações de vários estilos, entre o rock'n'roll, o jazz, música clássica e música indiana tradicional. Foi um sucesso de público e crítica; na época do lançamento ficou 27 semanas no topo das paradas britânicas e 15 semanas no topo das paradas americanas; ganhou 4 Grammys em 1968 e ostenta o primeiro lugar na lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone.

Os convido a conhecer um pouco das curiosidades por trás desse fenômeno da história do rock!

We're Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, we hope you will enjoy the show!

No fim de 1966 os Beatles já estavam exaustos. A beatlemania e as inesgotáveis turnês ao redor do mundo eram desgastantes e, além disso, eles haviam se dado um problema sem que percebessem: a sonoridade que estavam aos poucos adotando em suas músicas, a partir de Revolver, era impossível de ser reproduzida ao vivo, tamanho o nível de experimentalismo. Ademais, eles estavam caindo no conceito do público desde a infame declaração de John Lennon sobre eles serem "mais populares que Jesus Cristo", meses antes, de forma que as vendas dos discos caíram e os shows não mais lotavam.

De comum acordo (apesar da relutância de Paul McCartney), resolveram parar de se apresentar ao vivo. Ao invés de perder tempo e de se arriscarem com as viagens, usariam esse tempo em estúdio aprimorando sua música e criando coisas novas.

Com todo esse tempo que eles não tinham antes, cada um foi pra um lado. George Harrison foi pra Índia aprender a tocar cítara com Ravi Shankar; seu conhecimento em música indiana foi crucial na realização do Sgt. Pepper's. John estava na Espanha participando das gravações do filme How I Won The War (Ringo foi pra lá com a esposa mais tarde, acompanhar). Paul foi passar uma temporada na França para "relaxar". Deixou crescer um bigode (sua ideia de "disfarce") para evitar confusão nas ruas e, ao perceber que tinha dado certo, uma ideia luminosa surgiu: as pessoas não querem mais ver os Beatles e nós não queremos parar. Então vamos fazer diferente: disfarçados, seremos uma outra banda tocando o que queremos tocar.

Quando voltou para a Inglaterra, já tinha todo o conceito do álbum em mente, além do nome da banda fictícia: Sargento Pimenta e os Corações Solitários. Paul estava empolgadíssimo com a ideia: algo que nunca ninguém havia feito antes, um conceito completamente novo, e eles não teriam que viajar e se apresentar daquela maneira, o álbum iria por eles. A reação dos outros?

George odiou. Para ele, que estava cada vez mais espiritualizado e, vulgarmente falando, de saco cheio daquela coisa toda de ser um beatle, a idea de "fingir ser outra pessoa" era absurda; seria a negação do eu interior, enganar pessoas. Não, sem chance. John Lennon não fez muita objeção, apesar de sempre cortar o entusiasmo de Paul com algum comentário do tipo "pare de viajar na maionese, Paul". O casamento dele com Cynthia estava de mal a pior, e ele já havia conhecido Yoko Ono, então as prioridades dele não eram exatamente música. E Brian Epstein, o empresário... Bom, desde que façam algo, façam qualquer coisa, mas façam. A essa altura ele já estava com a saúde debilitada e viria a falecer pouco tempo após o lançamento do álbum.

Bom, aceita a ideia entre trancos e barrancos, todos no estúdio gravando. Todos deixaram crescer bigodes e criaram o uniforme de banda de marcha. John e Paul, por mais que já não estivessem se entendendo direito, estavam com a criatividade a mil e compuseram praticamente todas as canções do álbum em conjunto, como sempre, um completando o outro. O álbum a princípio seria conceitual e giraria em torno do personagem Billy Shears (interpretado por Ringo, apresentado na canção With A Little Help From My Friends), mas John Lennon e sua teimosia conseguiram mudar o rumo do trabalho, de forma que o Sgt. Pepper's é um álbum semiconceitual, mas ainda assim o primeiro da história.



A temática, no fim, ia de situações do cotidiano, até problemas familiares, a transição da infância à fase adulta; e a inspiração veio fácil, desde notícias no jornal até o comercial de cereal na televisão. A experimentação instrumental com camadas sobre camadas, instrumentos pouco usuais e orquestração foram um acerto para o álbum e para a época. Em 1967 os jovens não queriam mais ouvir as baladas românticas e o pop fácil do início da carreira da banda. Eles estavam mais interessados em discursos político-sociais, ou, talvez mais verdadeiramente falando, música pra "ficar alto". Portanto, o rock psicodélico estava em alta, e era isso que eles deveriam fazer.

A gravação do álbum mesmo foi por si só inusitada. Paul McCartney não queria gente pomposa no estúdio, visto que o conceito seria algo com um quê de circense. Ordenou que os membros da orquestra usassem coisas como perucas e/ou narizes de palhaço, pendurou balões por tudo, distribuía chupetas e aventais para todos, foi uma verdadeira festa. Alguns curtiram bastante o ambiente despojado que o então suntuoso estúdio Abbey Road agora tomava, principalmente os músicos convidados (entre eles membros dos Rolling Stones e The Monkees); mas os mais conservadores membros da orquestra e o próprio produtor George Martin ficaram visivelmente ofendidos... O que não impediu o Sgt. Pepper's de tomar forma e ser o que é até hoje, um exemplo perfeito de conceito, psicodelia e experimentação.



Já falei pra caramba, bem mais do que queria, inicialmente (pra variar). Ainda falta falar da capa, que já daria um post tão grande quanto este. Falo no próximo, afinal, não posso deixar essa parte de fora!

We're Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, we hope you have enjoyed the show! ♫